terça-feira, 26 de abril de 2011

Parte III - Sonho


A conversa entre os passageiros continuou.
Bina recostou-se melhor na poltrona gasta e dormiu embalada pelas vozes cada vez mais distantes.
Sonhou.
Estava em um castelo erguido no meio de um campo de ninguém. As janelas batiam, as portas rangiam sopradas por um vento escaldante. Uma poeira fina entrava pelas frestas, como grandes pernas de um inseto gigante feitas de minúsculos pontos flutuantes. No centro de uma sala vermelha, ela dançava uma valsa solitária num rodopiar febril.
Acordou suada quando o ônibus entrava na cidade.
Os passageiros ainda conversavam.
– Chegamos!– disse o granjeiro.
– Rincão dos Butiás! Cidadezinha velha, seu João? – falou o peão.
– Esta é outra cidadezinha que está se terminando – respondeu ele.
– É! Cidadezinha ruim de emprego e, ainda por cima com esse vento sem fim – remendou o peão.
Bina sentou-se melhor, jogou para trás os cabelos de hidra, esperou que os passageiros descessem e resmungou:
– Só o que me falta é morrer neste fim de mundo, nesta cidadezinha, nesta boca escancarada que sopra o vento no mundo.
Calou-se, pensando e resmungou de novo:
– A primeira coisa que vou fazer é ir ao cemitério, visitar o túmulo de meus ancestrais... Engraçado, pensar neles agora. Todos os meus mortos estão lá. Elas em maior número que eles... Inferno! Isso sim seria uma maldição?
A velha senhora olhou tristemente para Bina, que levantava.
– E se este ônibus me levasse mesmo para uma Nova Fronteira, um lugar em que o poderoso Deus tivesse tocado com o dedo e dito quando nasci:
– Encontra-o, criatura! – murmurou Bina atrás da velha senhora.
Bina deu de ombros, arrumou a longa cabeleira ruiva, passou a mão pela roupa amarrotada, tateou a chave no bolso do jeans e as poucas moedas que restavam, saiu do ônibus e rumou para casa, tentando adivinhar o que restaria ainda de seu destino ingrato de nascer com o vento.
Mal Bina tocou com a ponta do pé a terra vermelha, o vento recomeçou. Um vento interminável que arrancava as folhas das árvores e as varria para além dos muros, das casas, dos túmulos, dos templos, da cidade, daquela região...
Zélia Viana Paim

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